O Fantástico revelou na noite deste domingo (26), a situação precária da educação pública em Bom Jardim, cidade no interior do Maranhão. O município, que recebeu mais de R$ 650 milhões do Fundeb (o principal fundo de financiamento da educação) nos últimos 13 anos, mantém escolas improvisadas em igrejas, casas de moradores e até ao lado de fornos de farinha.
A cidade também apresenta um longo histórico de corrupção: dos últimos cinco prefeitos, quatro foram condenados por desvios ou improbidade administrativa.
O retrato do descaso é visto no caminho diário de Eudinete e seus seis filhos. Eles caminham por uma estrada de terra até uma pequena igreja. O local, porém, não é usado para missas, mas como sala de aula improvisada. O prédio original onde a escola funcionava foi interditado por risco de desabamento. Eudinete, que trabalha no local como zeladora, merendeira e vigilante, sonha com o básico para os filhos: “Um banheiro, pelo menos um.”
A equipe de reportagem passou por onze povoados e encontrou sinais de descaso por toda parte. Na escola improvisada na igreja, o estudante Jean, de 7 anos, observa: “Aqui nem é de verdade. Parece que aqui é só uma igreja.” Em outro povoado, Dona Elivânia oferece a própria casa para que os filhos e outras crianças tenham onde estudar há mais de 10 anos. Questionada sobre o que falta, ela resume: “O que falta é a escola mesmo ser construída.”
Banheiro é item raro; em um local, é apenas um cercado de palha, em outro, uma estrutura inacabada. “A gente tem que ir pra dentro do mato, porque tem um banheiro ali que nem vaso não tem”, conta um estudante. Em outra escola, onde o professor Antônio trabalha, a água usada pelos alunos vem de um poço cheio de insetos.
Professores se desdobram para lidar com a situação. Em uma das salas improvisadas, uma professora atende crianças de idades diferentes ao mesmo tempo. “O rebolado é grande. Eu tento me multiplicar o máximo que eu posso”, diz ela, que admite: “A defasagem é bem grande.”
Enquanto isso, estruturas de alvenaria, que poderiam ser escolas, estão abandonadas. Um prédio foi fechado há 10 anos para uma reforma que nunca aconteceu e hoje está com a estrutura deteriorada.
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Em Bom Jesus (MA), quatro dos últimos cinco prefeitos foram condenados por desvios ou improbidade administrativa. — Foto: Reprodução
As péssimas condições não são novidade e coincidem com o histórico político da cidade. Em 2015, Lidiane Leite ficou conhecida como a “Prefeita Ostentação” por divulgar uma vida de luxo nas redes sociais. Ela foi presa, acusada de desviar cerca de R$ 15 milhões que deveriam ser destinados ao ensino público. Lidiane tem 10 condenações, que somam quase 40 anos de prisão.
Entre 2013 e 2020, Bom Jardim teve quatro prefeitos, e todos foram condenados. Após Lidiane, assumiu a vice, Malrinete Gralhada, condenada a 15 anos por desvio de dinheiro. Em 2016, Manoel da Conceição Pereira Filho, o Sinego, assumiu por 70 dias, tempo suficiente para desviar R$ 600 mil. Francisco Alves Araújo (2017-2020) foi afastado três vezes por corrupção e improbidade.
Fábio Oliveira, promotor responsável pelas investigações de todos eles, aponta uma cultura de corrupção. “Eles já ficavam esperando a vez deles entrarem, já para se corromper, para poder sugar o dinheiro que tinha em Bom Jardim”, disse. Lidiane e Malrinete foram condenadas criminalmente, mas recorrem em liberdade. Francisco e Manoel tiveram condenações na esfera civil.
Apesar dos R$ 650 milhões recebidos em 13 anos, pouca coisa mudou. A atual prefeita, Christianne Varão (PL), ex-professora e reeleita, também está sendo investigada pela Polícia Federal e pelo Ministério Público por desvio de verbas e corrupção. Ela se defende: “Bom Jardim […] é uma cidade extensa e não tem como resolver todos os problemas das escolas em quatro anos”, mas promete construir novas unidades.
Para o promotor Fábio Oliveira, a corrupção na área escolar é um “destruidor de sonhos”. Os sonhos dos estudantes de Bom Jardim são simples. Um deles descreve a escola ideal: “Que tem carteiras novas, mesas boas… um piso mais adequado, que nós possa também ter um banheiro com mais boa qualidade e uma caixa de água para nós beber.” Jean, de 7 anos, completa: “Com internet, com aula de brincar, com parede de cimento, com telha.”
Em nota, a defesa de Lidiane Leite disse que a grande maioria dos processos já foi arquivada, que existem processos a serem julgados e outros que ainda estão em fase de recurso. E que considera que não há nenhuma pena a ser cumprida.
A defesa de Manoel da Conceição Pereira Filho negou que ele tenha utilizado o cargo para obter vantagens. Disse que ele sofreu pressão política e foi induzido a assinar documentos e que exerce o direito de defesa com serenidade e lealdade.
A defesa de Francisco Alvez Araújo disse que ele foi afastado do cargo por causa de processos marcados pelos grupos políticos que travam uma guerra na cidade. E que responde com serenidade às ações judiciais.
O Fantástico tentou contato com a defesa de Malrinete Gralhada, mas não obteve retorno.











